quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Heterossexuais e o Equilíbrio Biológico de Gênero

Marisa Lobo se define como psicologa cristã e é membro do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos. O simples fato de alguém, em qualquer profissão manifestar-se como membro ou fiel de uma religião não significa absolutamente nada. Nem a favor e muito menos contra. A liberdade de culto religioso é garantida pela Constituição e não exclui aqueles que apresentam formação superior. O perigo é quando um religioso se dispõe a falar em nome de uma pseudo doutrina-científico-religiosa.

Marisa Lobo tornou pública e portanto passível de críticas, uma carta ao Deputado e Pastor Marco Feliciano, onde pede providências sobre uma suposta violação do Código de Ética pelo Conselho Federal de Psicologia ao participar de uma manifestação contra a suspensão do programa Escola sem Homofobia, erroneamente chamado por ela de “kit-gay”. Alega Marisa que o CFP teria agido contra o artigo 2º do Código que diz que:

Art. 2º - Ao psicólogo é vedado:

b. Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais


O que a nobre colega não parece perceber é que ao propor uma psicologia cristã quem infringe o item b do artigo 2ª do Código de Ética é a senhora. Uma psicóloga pode ser evangélica, católica ou umbandista, assim como um médico ou um físico. O que nenhum deles pode é propor a existência de um corpo teórico ou de uma prática de física hinduísta, de uma medicina umbandista ou de uma psicologia cristã. Faltam a tais “ciências” corpo teórico e metodologia científica que o simples bom senso pode demonstrar.

Além disso, demonstra desconhecer ou falsear a resolução 001/99 do Conselho Federal de Psicologia, que seguindo orientação da Associação Americana de Psiquiatria e da Organização Mundial de Saúde proíbe a potologização e o tratamento da orientação sexual homoafetiva. Tal resolução em seu artigo 2º diz:

Art. 2° - Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.

O CFP ao defender projeto que visa combater a discriminação e o bullying homofóbicos tão presentes em nossas escolas, age no estrito cumprimento das suas funções de usar o conhecimento psicológico para desmistificar e colaborar com o fim do preconceito.

Por fim Marisa Lobo, faz a seguinte afirmação em sua carta:

Pois como estão tratando a questão do homossexualismo, daqui a pouco vamos nós que temos nossa sexualidade em equilíbrio biológico de genro(sic) achar que somos nós os errados.
A frase tem tantos absurdos conceituais que eu quero acreditar tratar-se de simples confusão de uma pessoa levada por emoção. Mistura-se na frase as noções de orientação sexual e identidade de gênero, reduz gênero a simples determinismo biológico, ignorando fortes correntes de pensamento que mostram tratar-se o mesmo de uma construção muito mais social e assume-se como CERTO uma orientação sexual em flagrante oposição a moderna psicologia.

Quero crer que ao falar em equilíbrio biológico de gênero a colega se refira a situação denominada de Disforia de Gênero ou Transtorno de Identidade de Gênero. A classificação atual (e vale frisar ATUAL) considera a Disforia de Gênero a partir do binário determinista macho/fêmea. Traduzindo em termos menos técnicos, o transtorno existe quando a genitália não corresponde ao gênero com o qual a pessoa se identifica. Tal identidade, mas que biológica, tem a ver com sentimentos, atitudes e papel social. Nesse contexto não cabe um “equilibrio de gênero biológico” a heterossexualidade. Um homem homossexual cuja identidade de gênero seja masculina está em equilíbrio biológico de gênero seja qual for o conceito que a colega quis formar.

Outra opção é que Marisa tenha se referido a Orientação Sexual Egodistônica. Novamente, egodistonia não é uma prerrogativa homossexual. E seu tratamento não é proibido pelo CFP. Alguém com Orientação Sexual Egodistônica é alguém cuja orientação sexual, seja hétero, bi ou homossexual, é rejeitada, quando seus impulsos, desejos e ideias estão em distonia com o seu ideal de si mesmo. Casos de homossexualidade egodistônica podem e devem ser tratados. A egodistonia e não a homossexualidade. As visões do eu ideal e as pressões do ego é que precisam ser melhor entendidas pelo paciente e não a sua sexualidade.

Para terminar, gostaria de lembrar que a resolução 001/99 do CFP determina que:

Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.

Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.

Art. 4° - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.


Respeito e bom senso não fazem mal a ninguém.

Alessandra Mascarenhas 
Psicóloga Clínica e Pedagoga

2 comentários:

Hannah D. disse...

Nossa querida amiga, quis dizer com "sexualidade em equilíbrio biológico de gênero" a ideia antiquada que todo ser é feito para reprodução, então pessoas com a "habilidade" de se interessar pelo sexo oposto, logo com a habilidade de se reproduzir de forma "natural" (papai coloca a sementinha na mamãe e nasce o filhinho) estaria em equilíbrio biológico. Claro que qualquer pessoa que tenha um conhecimento mais aprofundado sabe que não é isso.

Lisa disse...

Meus parabéns! Como psicóloga aplaudo teu texto e assino embaixo!

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