quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O Bicho Papão Tucano

Eu tirei o título de eleitor em 1989, ao 17 anos. E a musiquinha "meu primeiro voto pra fazer brilhar nossa estrela" cantei aos berros em inúmeras ocasiões. Eu era militante num tempo em que militante era um xingamento. Uma classificação feia como bater na mãe. Num tempo que militante do PT era aquele cara de pé na terra, que ouvia os movimentos sociais. Esquece. Num tempo que militante do PT ERAM os movimentos sociais. 

Eu chorei naquele debate com o Collor. E militei de novo, nas derrotas pra FHC. Com aquela sensação de quase. De acreditar que a gente tinha um projeto de país, de nação. De fazer algo de verdade. COM O POVO. Com os movimentos sociais. Com aquela gente, EU, que não tinha sido ouvida por tanto tempo nesse país.

Mulher, pobre, filha de uma baiana fugida do semi-árido, lésbica, eu via no PT a representação dessas lutas. Eu vi com desconfiança as alianças. MAS ERA EM NOME DE UM PROJETO DE GOVERNO. Era em nome desse bem maior. Das milhões de bocas famintas, dos excluídos. E a gente cede. E acha que é só um pouquinho. Só um Magno. Só um PR. Só um Sarney (ai como esse doeu). Porque o projeto é maior que isso.

E eu vi muita coisa acontecer. Eu vi sim muita coisa mudar. Mas vi, infelizmente, que o ceder ficou cada vez maior. Se com Lula no poder eu posso listar uma série de coisas que PODIAM TER SIDO MELHORES, nesse último ano eu posso listar uma série de coisas que NÃO PODIAM TER SIDO PIORES. Existem bandeiras históricas, tatuadas na pele de quem realmente fundou e deu sangue por esse partido que foram absolutamente esquecidas nesse governo. Ouvir a base, os movimentos sociais, a defesa de minorias, a luta pelos direitos reprodutivos das mulheres, a gestão participativa...cadê?

Eu lembro que na época das campanhas contra Collor e FHC o MAIOR argumento a favor deles era o medo do petismo. Não era se FHC podia fazer algo pelo país, mas tudo de ruim que Lula podia fazer. Não se discutiam as ideias e projetos do PT, mas a agenda que FHC jurava que era a nossa. Hoje, eu vejo militantes petistas usando o mesmo argumento. Algo vai mal? SERIA PIOR COM TUCANOS. Como se isso bastasse. Como se PSDB e FHC fossem algum bicho papão mitológico pra assustar criancinhas em comer toda a comida. Inclusive o quiabo horroroso e babendo da teocracia que invade o governo. Engulam Malafaia, Bolsonaro, Magno Malta, Sarney, veto ao kit antihomofobia, propaganda de opção sexual e cadastro de grávidas. COMAM TUDO OU O BICHO PAPÃO TUCANO VAI COMER VOCÊS.


Não dá. Nunca consegui comer quiabo. Não quero que a maior realização do governo Dilma seja ter impedido José Serra de governar. Não posso engolir um governo que cede a chantagem de Garotinho e veta kit de "propaganda de opção sexual". Não posso engolir cadastro de grávidas a troco de 50 contos. Não consigo ver LGBTs rifados e Ministra da Casa Civil tirando foto e convidando homofóbico pra palestrar em evento. Não posso ignorar líder do governo defendendo empresa que derrama óleo. Não tem Privataria Tucana que me faça cega ao óbvio caminho do PT em direção ao pragmatismo político assistencialista do toma lá dá cá. Não quero SUS financiando antros de tortura cristã a troco de apoio no Congresso. Me venderam a ideia de um PROJETO DE GOVERNO. E estão me fazendo comer um PROJETO DE PODER.

Eu comecei esse ano como militante e filiada. Em setembro, após mais desmandos do que consigo listar sem cansar, pedi minha desfiliação. E fiquei apenas como torcedora desconfiada. Termino o ano além da desconfiança. Em conflito com um governo que eu ajudei a eleger e em quem já não me reconheço.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O julgamento da vítima

Já se falou até demais sobre a falácia da falsa escolha. O texto do @_lasher_ explica tim-tim por tim-tim. Então vou pular a parte em que explico porque defender animais não exclui se preocupar com direitos lgbts, a fome no mundo ou a enchente nas Filipinas. Vamos ao lado mais espinhoso desse assunto. E que provavelmente muita gente não vai gostar.

Cachorros não são gente. E eu não quero dizer que, por não serem gente mereçam menos importância. O que acontece, e dá a sensação contrária em casos como esse, é que cachorros não dividem a população segundo suas crenças religiosas e/ou sociais. Deixa eu trocar em míudos. Quando um cachorro, de preferência fofinho, morre espancado a população não "precisa" passar esse acontecimento por um filtro que diz se a vítima merecia ou não o que lhe aconteceu. Ela não precisa consultar velhos preconceitos para dizer que o cachorro procurou o que lhe aconteceu ou que se ele ficasse quieto e no "lugar dele" nada disso teria acontecido.

Quando morre um homem negro, pobre, em confronto com a polícia por exemplo, essa mesma sociedade passa tal morte pelo crivo social "preto, pobre, de comunidade = possível bandido". E como possível bandido sua morte, ainda que possa ser escabrosa, passa a ser possivelmente justificada. Do mesmo jeito que anos atrás ( e até hoje em alguns casos) adultério era atenuante para crimes e mulheres assassinadas nessas condições não eram dignas da revolta popular.

Talvez o lado mais cruel dessa recente indgnação e quase histeria popular em torno da morte do cão é perceber que humanos tem como parâmetro de revolta a "qualidade da vítima" e não a maldade intrínseca do agressor. Um mesmo crime pode ser mais ou menos cruel e digno de mobilização popular em proporção direta ao que essa mesma população julga como vítima inocente (existiriam vítimas não inocentes e ainda assim vítimas?).

Seriam assim, menos dignos de atenção, crimes que ainda que tão cruéis e violentos tivessem por vítima alguém que não ajustasse no modelo de vítima inocente: prostitutas espancadas, menores infratores assassinados, presidiários queimados vivos, mulheres adúlteras, LGBTS... Argumento recorrente de Bolsonaros e Magnos Maltas da vida é que não existe homofobia, os gays é que procuram situações perigosos ou frequentam lugares violentos.

Não há nada de errado com se revoltar com a agressão injusta e cruel contra um animal indefeso. Errado é querer dividir vítimas entre dignas ou não da sua revolta.
 

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