segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Palavras de um velho dinossauro



Meu tio é um verdadeiro dinossauro. Delegado aposentado, eleitor de FHC, de direita por ideologia, daqueles que acreditavam no perigo vermelho do comunismo. Mas é também um homem profundamente honesto na vida pessoal. Os "colegas de repartição" hoje acumulam imóveis e carros, viagens e dólares. Ele vive da aposentadoria, que pode ser considerada ótima em padrões brasileiros, mas que só o permitiu um apartamento na zona norte do Rio de Janeiro. Suas mordomias, aos 83 anos, se resumem em andar de táxi e ter um fisioterapeuta domiciliar....que ele já acha demais.

Ele sabe que sou filiada ao PT e eleitora de Lula. Desde a minha adolescência tivemos e ainda temos longos e barulhentos papos sobre política. Ele sempre me prevenindo do perigo do comunismo e eu reclamando da ditadura e da repressão política (que ele nunca concordou, mas achava necessária para não virarmos Cuba). Hoje não foi diferente. A conversa começou com uma provocação.

"Seu deputado (Chico Alencar PSOL/RJ) foi escolhido o melhor do Brasil"
"Eu vi. Eu não te disse que era um bom voto?"
"É...ele é professor né? Eu vi algumas coisas...Esse PSOL, ele tem umas ideias meio comunistas né, mas o menino é um cara honesto. Isso ele é. E aquele outro lá, aquele que foi eleito junto com ele? O daquele programa..."
"O Jean Wyllys?"
"É. Aquele que é bicha né? Então. Garoto inteligente. Sua tia viu o programa da Marília e eu fiquei ouvindo. Tem essa coisa de direito de gay, mas ele é um garoto inteligente. Esse vai ficar. Igual o seu professor."

Meu tio não tem muita intimidade com a questão LGBT, mas é quem menos pegou no meu pé quando me assumi. Acha tudo uma perda de tempo "essa coisa de casamento gay é besteira. O Brasil tem que cuidar da educação e da saúde" E o papo engrenou no Jean Wyllys e eu dizendo que a bandeira dele não é só a causa gay, mas a defesa dos direitos humanos. "Você e essa mania de direitos humanos"

Lá pelas tantas, meu tio fala do prefeito, o Paes, que ele detesta. "Aliado do Cabral e da Dilma. Só faz graça na TV e a cidade tá um terror, nem posto de saúde funciona direito" Me pergunta quem vem candidato essa eleição "Seu professor vai vir pra prefeito? Olha que eu voto nele. Isso aqui tá precisando de alguém com moral". Digo que não sei, acho que pode ser o Freixo. "O que tava na bagunça dos bombeiros?" Eu confirmo, digo que também é do PSOL.

Ele fica um tempo em silêncio. O papo morre um pouco com a chegada da minha prima. Depois de um tempo ele volta ao assunto, dessa vez criticando Dilma. Eu brinco e pergunto se ele preferia o Serra. "Serra é um hipocondríaco. Não sei porque o Fernando Henrique escolheu essa besta". Lá pelas tantas, depois de mais algumas risadas, meu tio termina "Sabe, esse Freixo ai que você falou, aquele dos bombeiros...se ele ou o Chico vierem pra prefeito, eu vou votar. Essas ideias comunistas eu não gosto, mas o Rio tá precisando de gente honesta"

Conclusão da minha tarde com um velho dinossauro: até a direita está cansando da direita.

1 comentários:

Maria de Paula disse...

mas olha que coisa interessante, fiz trabalho de campo em delegacias de polícia durante anos, menina, quando dei enfase em antropologia jurídica a minha formação. o seu tio pode está cansado da direita, mas não de ser delegado, muito claramente explicito em seu discurso da "falta". para os delegados e para a polícia, de um modo geral, isso é estruturante nas suas lógicas. falta tudo! (inclusive por isso eles trabalham mal, falta papel, falta funcionário, falta salário, falta prova)! e claro! está faltando honestidade no Rio de Janeiro! acho q a coerência é por aí.

obs: seu texto é ótimo! super me diverti apesar dos pesares nele contido. eu sou o oposto disso :(

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