terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Muito além de reality

Eu podia até escrever sobre como é suspeito que a Globo tenha ignorado o caso por 24h (as mais decisivas em qualquer crime), ou como minha inocência não é tão grande, que ache normal quatro advogados da rede de televisão, aconselhando a suposta vítima. Não vou perder meu tempo. Se você tem mais de 2 neurônios funcionando, sozinho já chegou a essa conclusão.

A questão é muito maior que o aquário/zoo humano e seus defensores e haters. É muito mais que a manipulação nossa de todo dia, via JN e novelas onde beijo gay é proibido. É sobre violência e machismo. É sintomático. Visite uma matéria sobre aborto, homofobia ou feminismo. Olhe os comentários. Bem vindo ao século XV.

Desde o início do caso se tenta justificar a existência de duas classes de mulheres: as estupráveis e as não estupráveis. As primeiras são aquelas que de alguma forma são capazes de provocar os instintos do macho da espécie. Ele, coitado, é mera vítima da sedução da mulher (qualquer semelhança com o caso de uma maçã e a condenação do mundo é mera coincidência...ou não). E aí os machistas de armário, aquele povo que posa de progressista, liberal e defensor das minorias, mas no fundo tem um tacape agarrado ao pulso, mostram as garras.

Dá desânimo. Porque né? EU SOU MULHER. E pelos critérios desse povinho eu sou estuprável. Gosto de sexo, já dei bastante, bebo, uso a roupa que quero. E ainda sou gorda. Como Mayara. Cuja fala sobre Daniel, um dia antes da festa foi ignorada. Ela diz textualmente que ele a bolinou durante a noite. Mas Mayara é gordinha. Tá reclamando do que? Devia achar ótimo.Quer dizer, segundo alguns eu ainda teria que agradecer ao estuprador o imenso favor que me faz.

O mais chocante dessa história é que talvez Monique não esteja mentindo. Talvez, como muitas mulheres, ela ache que não é estupro se não houver penetração ou violência física. Do que apurei até agora, ela nem sequer viu o vídeo. A culpa que as vítimas de estupro carregam é imensa. Imensamente proporcional ao julgamento moral que são submetidas: "mas será que ela não fez algo para provocar?"  Imagina trancada, longe da família, com quatro advogados "orientando" e todos os olhos do país? Não desejo essa posição ao meu pior inimigo.

Se você já foi vítima de violência sexual, ou se um dia for, o que eu desejo sinceramente que jamais aconteça, não permita que lhe vitimem duas vezes. Não se cale. O silêncio perpetua a violação. Um IML é um lugar deprimente, exame de corpo de delito é quase uma nova violação, mas é o único caminho para impedir a impunidade.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Fundo do poço

Eu tinha uma prova de concurso hoje. E daí eu não consigo dormir. Acordei pela vigésima vez às 5h da manhã e com medo de perder a hora, levantei. Com sono. Liguei a TV pra não dormir de novo. E assisti 25 minutos de um estupro transmitido ao vivo, sem que nada fosse feito.

Tem gente que ainda não entendeu o que é estupro. E está achando que, porque não teve violência (cá pra nós, o que você considera violência?), não é estupro. Que a vítima é periguete, maria chuteira, bebeu e....ah vai...ela merecia né?

Estupro é sexo sem consentimento. E sexo não é só penetração vaginal. Se masturbar na perna, vulva, peito, seja lá onde for da menina e gozar sem ela poder dizer que quer é ESTUPRO. Não enfeita o pavão meu amigo. Mulher não é estuprada porque é periguete ou andou de saia curta. Mulher não é estuprada porque bebeu. Mulher é estuprada porque um homem a estupra. E fim.

Não me interessa se Monique deu (que palavra machista, caralho!) pra metade da torcida do flamengo. Se ela disse sim pra meio Morumbi. PARA O DANIEL ELA NÃO DISSE SIM. Ela não tinha condições de dizer porque estava bêbada e sem discernimento. E se o cara tivesse o MÍNIMO de caráter, teria deixado a menina na cama e ido tocar punheta no banheiro. Mas né? Homem que é homem não pode perder a oportunidade de comer a menina fácil.

A Globo pode chamar do que quiser. Mas fazer sexo/bolinar uma mulher quase inconsciente, sem reação, sem conseguir dizer que não quer, é estupro. Dissimulem o quanto quiserem. É estupro.

Chega de ensinar meninas a não serem estupradas. São os homens que tem que aprender a não estuprar.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Homofobia: ansiedade aprendida


Ultimamente virou moda tentar desqualificar o significado da palavra homofobia. E vale tudo para provar que somos um país tolerante e amável e que homofobia é coisa de gayzista sem noção. Vale tudo mesmo! Até algumas interpretações, digamos...peculiares.

Homofobia, de homo (humano) e fobia (medo). Logo, homofobia não existe porque ninguém tem medo de humanos. (meu cachorro discorda)
Homofobia, de homo (igual) e fobia (medo). Logo, homofobia não existe e nem pode ser praticada por héteros já que seria a fobia de algo igual.
Homofobia, de homo (homem) e fobia (medo). Logo, homofobia não existe porque seria a fobia de seres do sexo masculino.

E por aí a fora, com definições das mais criativas. Mesmo quem analisa a palavra como Homo (de homossexualidade) e fobia (de medo) também afirma que homofobia não existe porque seria o medo patológico de homossexuais. Tudo bem que existam preconceitos, mas isso não é homofobia! Ou no máximo admitem que homofobia seria a expressão de violência física contra gays.

Eu não sou linguísta. E muito menos estamos falando de uma prova de português. Sou psicóloga e portanto minha abordagem será comportamental. Porque homofobia, não só existe, como vai muito além de comportamentos de violência física contra pessoas lgbt?

Primeiro vamos estabelecer o que é fobia. Diferente do que o senso comum preconiza, fobia não é medo. O medo é uma reação do organismo a algo que coloca nossa integridade física em perigo. Sentimos medo como uma defesa a uma situação de perigo real. É positivo e necessário ter medo. Fisicamente, o medo promove no organismo uma série de mudanças na química cerebral, que produzem um estado de alerta. Com medo, enxergamos e ouvimos melhor, temos mais força e reflexos de defesa mais apurados.  "Desligamos" tudo que não seja absolutamente necessário e concentramos tudo em escapar da situação de risco. E fobia?

A fobia é um estado de ansiedade aguda ou crônica, é uma resposta desmedida, intensa, focal e desproporcional ao estímulo. Medo é um estado normal do organismo. Fobia é um transtorno de ansiedade. A fobia tem diversas causas: pode ser a resposta a um trauma (como no stress pós traumático), pode ser uma alteração na química cerebral (transtornos de ansiedade inespecíficos) e pode ser comportamental, aprendida por repetição. O importante é estabelecer que medo é uma reação normal e esperada a um estímulo grave e fobia é uma reação ansiosa e desproporcional ao estímulo.

Esqueçamos os casos traumáticos e químicos e nos concentremos na fobia aprendida. Um exemplo clássico de fobia aprendida é o medo de barata. Coloque uma barata perto de um bebê de seis meses (não, não coloque. Isso é um exemplo retórico). O bebê não reagirá com nojo, medo ou angústia. Provavelmente vai achar aquele bicho engraçadinho e tentará pegar e até (arrrgh) levar a boca. Afinal é uma coisa minúscula!  Mas esse mesmo bebê pode ser exposto a reações ansiosas e completamente exageradas de adultos com fobia de barata. Convenhamos que não existe um motivo real para se ter medo de um inseto de menos de 5cm que pode ser facilmente esmagado. Mas quantas pessoas você conhece que já se machucaram ao fugir, completamente transtornados, de uma mísera barata? (se não conhece, prazer! eu já fiz isso)

O que a barata tem a ver com a homofobia? Quando um adulto demonstra intensa repulsa, ansiedade e desconforto na presença de homossexuais ele pode nem ter a intenção, mas seu comportamento comunica a criança que "aquilo" é algo a ser temido. E crianças aprendem muito mais por imitação que por qualquer discurso que você venha a fazer. Nós aprendemos homofobia com a sociedade. Ao rejeitar e esconder, ao não permitir que demonstrem afeto, ao afastar a criança do "tio estranho", nos xingamentos na escola...tudo isso reforça a ideia de que existe algo(que ninguém consegue definir o que é), inerentemente ruim, na homossexualidade.

A esmagadora maioria das pessoas não se tornará um assassino de gays porque foi ensinado a ter fobia deles. Somos bem mais complexos que isso. Talvez nem sequer reconheçamos em nós aquela sensação ansiosa, desconfortável, inquieta, ruim, na presença de um homossexual que "dá pinta". Acreditaremos firmemente que não é fobia. "Não tenho medo de barata, só acho um bicho nojento" Disse a pessoa que quase pula da janela do 5° andar para fugir da baratinha. "Não sou homofóbico, só não acho legal (fico constrangido, tenho nojo, fico ansioso) que eles beijem na frente da minha filha" Dirá o ator que nem percebe sua homofobia.

Homofobia não é medo de homossexuais. Homofobia é um estado ansioso, de maior ou menor intensidade, na presença de pessoas ou manifestações de afeto homossexual. Mas é muito mais. Porque conceitos extrapolam a simples semântica da palavra escrita. Homofobia é toda e qualquer atitude que tenha por objetivo diminuir os direitos de cidadãos LGBTs e que violem sua dignidade de pessoa humana. Sejam ou não de violência física.  Porque baratas a gente mata, mas seres humanos são outra coisa.

PS: você ficou incomodado com a foto lá em cima?

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Foi tudo boato...

Descansando de sua estafante vida pública, el Senador do Bigode deita em berço esplêndido quando eis que de repente, toca o telefone.

_ Eu poderia falar com o Senador?

_ E quem está procurando pelo nobre defensor dos fracos e oprimidos madeireiros de terras maranhenses?

_ Aqui é do escritório da Fundação Nacional para Atraiçoar Índios. O senhor pode dizer que é urgente? Trata-se de uma campanha terrível que precisamos neutralizar.

Alguns minutos depois, El Bigode atende o telefone.

_Alô

_Nobre senador, obrigado por nos atender. Vossa Excelência poderia nos confirma se procede um terrível boato criado na internet contra os fortes e sempre dedicados madeireiros dessa terra fértil?

_ Contra os madeireiros? Então com certeza é mentira, mas para não dizerem que não escutamos as denúncias infundadas dessa gente que vive de atrapalhar o progresso, diga-me do que se trata.

_ Disseram que uma criança indígena teria sido queimada viva em seu estado, Senador.

_Calúnia! Absurdo. Tenho certeza que se trata de boatos dessa cambada de psolista, esquerdopatas e radicais que tentam impedir o progresso do nosso nobre estado.

_ Obrigado Senador e desculpe por interromper as suas férias.

Cinco minutos depois entra no escritório o estagiário afobado.

_ Pronto, você já pode redigir a nota oficial. Diz aí que é tudo boato e que nossos índios continuam muito bem tratados pelos amáveis madeireiros.

_ Mas, senhor, foram só dois dias de investigação? Não vai procurar o corpo?

_ Cala a boca, menino! O Senador já disse que é tudo boato. Pra que perder tempo com um indiozinho?


Esse é um conto de ficção, qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência...
 

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